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Em uma década, 101 meninas sofreram aborto na região

Em uma década, 101 meninas sofreram aborto na região
28.06.2022     Fonte: DR

O que diz a lei ou o que a medicina recomenda? O impasse sobre as condições para aborto legal no Brasil tomou as redes sociais na última semana, com a exposição do caso de uma criança de 11 anos que teve o direito à interrupção da gravidez negado pela Justiça de Santa Catarina. Embora tenha sido vítima de estupro dentro do contexto familiar, a vítima já estava na 22ª semana de gestação quando procurou atendimento especializado de saúde. Cartilha do Ministério da Saúde recomenda o aborto legal até a 20ª semana ou em fetos menores de 500 gramas. Já o Código Penal não estabelece limite gestacional quando a gravidez resulta de estupro. A falta de consenso virou caso judicial.

Protegidas pelo sigilo da lei, ocorrências de aborto na infância não estão distantes da realidade local. Segundo dados do Datasus, 101 abortos foram realizados (legal e ilegalmente) nos últimos dez anos, na região de Rio Preto, em pacientes na faixa etária dos 10 aos 14 anos.


Entre os casos comunicados, quatro foram realizados por razões médicas (perigo de vida ou anencefalia, por exemplo), 37 se enquadram como aborto espontâneo e 60 no critério de “gravidezes que terminam em aborto”, podendo ter sido provocados fora do ambiente hospitalar, o chamado aborto clandestino, que configura crime.

O Hospital da Criança e Maternidade (HCM) de Rio Preto é credenciado como unidade de referência na região para atendimento de vítimas de violência sexual, o que inclui a interrupção da gravidez nos casos de estupro. Vice-diretora clínica do HCM, a obstetra e ginecologista Rudiane Vicentine Sivieri explica que a gravidez precoce pode gerar complicações de saúde como pré-eclâmpsia, trabalho de parto prematuro ou até mesmo aborto espontâneo. “Sem mencionar as consequências psicológicas. Uma pessoa nessa faixa etária não está preparada para enfrentar todas as transformações inerentes da gestação de uma vida”, diz.


Qualquer que seja a idade, quando uma vítima de estupro é encaminhada para o hospital, ela é atendida imediatamente por uma equipe multidisciplinar que inclui ginecologista, psicóloga e assistente social. “Ela não precisa registrar boletim de ocorrência, mas a gente orienta. Não para autorizar o tratamento, mas para que haja investigação sobre a violência sofrida”, diz Rudiane.

A especialista afirma que a maior parte das vítimas de estupro foi violentada dentro de casa, por pai, padrasto ou tio. “Casos de gravidez na faixa etária dos 10 aos 14 anos também são comuns entre menores com déficit cognitivo. Que mantém relação com namoradinhos. Na maioria dos atendimentos, os pais optam por dar prosseguimento à gestação”, afirma.


Sobre a idade gestacional limite para interrupção da gravidez, a obstetra diz que o HCM segue a recomendação do Ministério da Saúde. “A partir das 22 semanas, o feto já tem condições de sobrevivência, então a medicina não trata mais como aborto, mas como parto, por isso há uma insegurança jurídica na realização do procedimento”, explica.

Temendo exposição ou até consequências legais, muitas mulheres deixam de procurar atendimento e optam pelo aborto clandestino, realizado em clínicas ou em casa, por meio de pílulas comercializadas no mercado paralelo. “Elas correm grande risco de vida, porque a chance de sofrer perfuração uterina, hemorragia ou infecções é enorme. Nas situações de estupro, o ideal é que procure um hospital o quanto antes, para que sejam realizadas as medidas preventivas, como medicação contra doenças sexualmente transmissíveis e até pílula do dia seguinte”, conclui.


A interrupção da gravidez é autorizada no Brasil em três situações: estupro, risco de vida à gestante e anencefalia do feto. A primeira exige somente a palavra da vítima. As outras duas dependem de comprovação médica, podendo ser realizadas a qualquer tempo. Em 10 anos (de 2012 até abril de 2022) foram realizados 10.939 abortos na região de Rio Preto. A maior incidência é entre jovens na faixa etária dos 20 aos 29 anos, representando 4.802 casos.

Polêmica na Justiça
A advogada Thais Fioruci D’Antônio Toniolo diz que, mesmo previsto em lei, o acesso ao aborto legal é dificultado pelas instituições de saúde. “As mulheres não tem poder de decisão nem quando estão amparadas pela legislação, como no caso dessa criança de Santa Catarina. Situações como essa reforçam a insegurança das vítimas de estupro em procurar um atendimento especializado e serem convencidas a prosseguirem com a gestação”, diz.

 

Para a advogada, a juíza de Santa Catarina fez juízo de valor e demonstrou ser contra aborto, a despeito das previsões legais. “O tema é muito estigmatizado na sociedade. Recomendações não podem se sobrepor à lei, e o Código Penal não estabelece tempo para a interrupção da gravidez em caso de estupro. Nesse sentido, não deve haver punição para a mulher que decidir abortar”.

Já o delegado Eder Galavoti Rodrigues acredita que a juíza atuou com efetiva técnica ao considerar o contexto de estupro sofrido pela vítima, onde o autor seria um adolescente de 13 anos. “Existe um entendimento chamado ‘lei Romeu e Julieta’, aplicado em casos em que o ato sexual envolve menores com diferença de idade de até cinco anos. Abarca situações em que a relação é consensual. Eu acredito que ela (juíza) levou em conta o fato de ter sido consensual e o estado de gestação avançado. Depois dessa celeuma toda, trauma vai ter com aborto ou sem aborto”, disse.

No ano passado, a Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um adolescente de 15 anos que manteve relação sexual com uma criança de 12, com base na lei Romeu e Julieta. (JT)

Aborto no Brasil

No Brasil, o aborto é legalizado em 3 situações:

Se a gravidez é decorrente de estupro

Se a gravidez representar risco de vida à mulher

Se for caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto)

Quem deve oferecer esse serviço?

Qualquer hospital que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia deve ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar aborto legal.

Entretanto, muitos serviços ainda se recusam a realizar o aborto legal.

Instituições

89 é o número de instituições no Brasil cadastradas como provedores de aborto legal para vítimas de violência sexual

Perguntas e respostas

No caso de a gravidez ser decorrente de estupro, o que devo saber?

A mulher que sofreu estupro tem o direito a atendimento gratuito no SUS, que inclui: o recebimento de tratamentos contra DSTs, a pílula do dia seguinte, apoio psicológico e, em casos de gravidez, o direito ao aborto legal. Para tanto, a idade gestacional deve ser de, no máximo, 22 semanas e o feto pesar até 500 gramas. Não é necessária a apresentação de um boletim de ocorrência, exame do IML ou mesmo autorização judicial, sendo a palavra da mulher o suficiente. Ao chegar no serviço, a mulher deve ser recebida por uma equipe multidisciplinar e o único documento que assinará é o termo de consentimento escrito.

No caso de a gravidez representar risco de vida à mulher, o que devo saber?

Quando a continuidade da gravidez apresenta risco de vida à mulher, a equipe médica deve oferecer informações sobre os possíveis danos e riscos para que ela decida ou não pela manutenção da gravidez. Nestes casos, deve ser apresentado um laudo 

com a opinião de dois médicos, sendo um deles especialista em gineco-obstetrícia. Não há idade gestacional máxima para a interrupção da gravidez nesse caso, mas quanto mais cedo, menores os riscos.

No caso de anencefalia fetal (caso em que não há desenvolvimento do cérebro), o que devo saber?


Desde 2012, não é necessária a apresentação de autorização judicial para casos de interrupção da gravidez por anencefalia. Para dar entrada no SUS, as mulheres precisam apresentar um exame que comprove a má formação (ultrassonografia) e laudo assinado por dois médicos. Para esses casos, não há idade gestacional máxima, mas quanto mais cedo for interrompida a gestação, menores serão os riscos para a mulher. Nos casos de outras más-formações fetais incompatíveis com a vida extrauterina, a mulher necessita de autorização judicial para a interrupção da gravidez.

O que é a objeção de consciência?

Os profissionais de saúde podem declarar objeção de consciência e se recusar a realizar algum procedimento caso isso vá contra seus valores, mas são obrigados a realizar o procedimento se não houver outro profissional no serviço que possa realizar o atendimento ou ainda nos casos em que a vida da mulher esteja em risco. Além disso, é importante lembrar que nenhuma instituição médica pode alegar objeção de consciência, essa é uma decisão individual de cada médico. Pelo contrário, a instituição médica deve garantir que haja profissionais para viabilizar esse atendimento.