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Bruno na cadeia: tentativa de suicídio, facada, faxina e reencontro com a bola

Bruno na cadeia: tentativa de suicídio, facada, faxina e reencontro com a bola
17.05.2016     Fonte: eNoroeste

 A área rural acessada por quatro quilômetros de estrada de terra dá um ar convidativo e sereno, quebrado pelo som das grandes trancas de ferro. A música "Aleluia" na entrada e as muitas frases remetendo a Deus e perdão recebem quem visita a Apac de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde o goleiro Bruno, hoje com 31 anos, está preso há oito meses. No regime fechado, o canto do ex-futuro camisa 1 é a cama dois da cela 18 do bloco 3. Um dos 68.810 presos do estado de Minas Gerais, Bruno cumpre pena de 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio em 2010. Mas, com a progressão por dias trabalhados, a liberdade poderá ser respirada já em 2018, segundo seus cálculos. Bruno está sem advogado no momento, mas juristas consultados pela reportagem atestaram ser possível que o goleiro consiga o regime semiaberto em 2018, como o próprio almeja.
O goleiro recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM entre as suas funções na limpeza da capela e a prova de soldador. A rotina começa às 6h, tem três paradas para oração, refeições e horário de lazer a partir das 18h. De lá, acompanha jogos pela televisão, com misto de saudade do Flamengo e paixão pelo Atlético-MG, este estampado na meia que usou durante a entrevista e na calça que sujou de terra com as defesas no treinamento também registrado pela reportagem.
- Reconheço que eu tenho que pagar a minha dívida com a Justiça. Tudo que aconteceu vai servir de experiência. Eu vou voltar. Chega de sofrer, sabe? Eu sofri muito e fiz muitas pessoas sofrerem.
Do sistema de presídio comum, onde passou cinco anos entre as penitenciárias Nelson Hungria e Francisco Sá, sobraram traumas e lembranças ruins. Tentativa de suicídio, uma facada que deixou marca e depressão tratada com remédios. Agora, foco no trabalho, nos cursos e nos treinamentos na Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), uma ONG que administra prisões e trabalha em conjunto com diversos estados e os respectivos tribunais de justiça buscando "a humanização no cumprimento das penas privativas de liberdade". O método tem inúmeros elementos, mas principalmente a confiança no detento, que passa a ser tratado pelo nome, usa crachá, não enverga uniformes da secretaria penitenciária e não passa pelas privações e lotações do sistema comum.
Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social apontam que os presos da Apac, chamados de recuperandos, custam ao estado um terço dos presos do sistema comum. Isso ocorre porque os próprios detentos cuidam da alimentação, limpeza e todos os demais afazeres da cadeia. São eles que fazem o pão e a comida, a limpeza e a pintura, a manutenção das instalações e cuidam até da portaria, por isso a per capita por condenado é considerada baixa. Além disso, trabalham com artesanato, confecção de tapetes, origami, aulas de violão, coral, diversos cursos profissionalizantes, capacitação à distância e educação em vários níveis com professores voluntários que marcam presença diariamente entre as grades.
O trabalho diário, a disciplina e o bom tratamento com a família, que não precisa passar por revistas como o agachamento em espelhos no caso das mulheres, fazem com que o índice de recuperação gire em torno de 85%. Hoje no sistema comum estima-se que mais de 70% voltam a reincidir no crime.
Sem o convívio com armas e algemas por perto - não há polícia e agentes penitenciários -, o clima é bem mais leve. A religião é aliada na recuperação. A disciplina, o carro-chefe. Quem se atrasa para as atividades perde benefícios como ligação para familiares e momentos de lazer, como ver televisão. Isso tudo controlado pelo CSS, o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, espécie de órgão regulador administrado pelos próprios detentos. Outra grande diferença para o sistema convencional está na taxa de ocupação. No sistema fechado da Apac de Santa Luzia, há espaço para 120, mas atualmente há apenas Bruno e outros 92.
- Aqui nós temos no máximo 200 presos (contando regime fechado e semiaberto), enquanto no sistema comum chega a 2 mil, 3 mil por complexo. Então a gente acaba sabendo qual é a dificuldade de cada um. Na Apac todos os recuperandos fazem a segurança. Por isso que as chaves estão na mão deles. Todos têm uma função de confiança, o porteiro, o cozinheiro, o padeiro... Rebelião nós nunca tivemos, fuga tem, até porque nós estamos trabalhando com ser humano, uns bem resolvidos, outros nem tanto. Mas muito pouco perto do que acontece no sistema convencional. Ano passado, por exemplo, não tivemos fuga. É a confiança que leva a isso tudo. Se você compartilha a responsabilidade, eles se sentem co-gestores da situação - afirma Humberto Andrade, diretor de segurança da Apac de Santa Luzia.
- O mais bacana é quando você esbarra com um preso em liberdade na rua e vê o cara recuperado, trabalhando, com família forte - emenda Alexandre Nery, um dos voluntários que trabalham sem receber na Apac.