logo
eNoroeste

NOTÍCIAS

Home / Notícias / ciência e saúde

Caso Miguel: Ele tá vivotá viajando. Nunca diga que ele morreu diz pai de criança que morreu ao cair do 9 andar

Caso Miguel: Ele tá vivotá viajando. Nunca diga que ele morreu diz pai de criança que morreu ao cair do 9 andar
08.06.2020     Fonte: G1

“Eu nunca ia pensar que Miguel morreu, não. Senão eu não vivo mais não. Miguel tá vivo, tá viajando. Nunca diga que ele morreu. Pra mim, não”. A frase é do agricultor Paulo Inocêncio, pai de Miguel Otávio de Santana, de 5 anos, que morreu ao cair de um prédio de luxo no Recife, na terça-feira (2)

 

A criança ocupava um lugar central na família. Para Paulo, era um parceiro. Para a empregada doméstica Mirtes Santana, a mãe, Miguel era um super-herói.

“Eu dava bicicleta, patinete, brinquedos, pagava a escola, minha mãe pagava o plano de saúde dele. Eu vivia, eu trabalhava para ele”, contou Mirtes, em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo.

A mãe e o pai de Miguel estão separados há três anos e, por isso, o menino seguia a cada 15 dias para o sítio em que o pai vive, no interior de Pernambuco. “Ele tem um bezerrinho, tem criação de galinhas. Eu não tenho nada, não. A casa é dele. É tudo dele, do meu filho”, afirmou.

Mirtes Santana e Paulo Inocêncio são pais de Miguel, criança que morreu após cair de prédio de luxo no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo

Mirtes Santana e Paulo Inocêncio são pais de Miguel, criança que morreu após cair de prédio de luxo no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo

Durante a pandemia, a mãe e a avó seguiram para Tamandaré, a 100 quilômetros do Recife, no Litoral Sul, para trabalhar na casa do prefeito do município, Sérgio Hacker (PSB), e da primeira-dama Sari Côrte Real.

“Era tudo maravilhoso para ele. Tomava banho de piscina, brincava com os filhos da minha ex-patroa. Quando folgava, levava ele para a praia”, disse Mirtes, que também trabalhava, com a mãe, no prédio de luxo de onde Miguel caiu.

No dia do acidente, a rotina parecia como a de um dia qualquer. “Me levantei às 5h. Chamei ele: ‘neguinho, vamos’. Nos momentos que não tinha ninguém, eu levava ele comigo. Cheguei às 7h, em pontinho”, relembrou a mãe da criança.

´Torres Gêmeas´ ficam no Centro do Recife — Foto: Reprodução/Google Street View

´Torres Gêmeas´ ficam no Centro do Recife — Foto: Reprodução/Google Street View

“Quando eu chego de frente do elevador social, o zelador sai de dentro da sala de encarregado e diz ‘caiu alguém de lá’. Chega deu aquela dor no peito. Quando eu abri a porta, era meu filho que estava lá estirado no chão”, disse Mirtes.

 

“Eu gritei ‘Miguel, meu filho’! Aí saí virando ele devagarinho. Ele estava com pulsação. Deitei do lado dele. Ele abriu a boquinha e ficou tentando respirar pela boca. Eu disse ‘isso, filho, respira. Respira que mãe tá aqui’. Pedi tanto a Jesus e Nossa Senhora que tirasse minha vida e desse a ele”, contou a doméstica.

 

Hospital

A ex-patroa levou Mirtes e Miguel ao Hospital. Por meio de imagens obtidas com exclusividade pela TV Globo, é possível ver o desespero da mãe no momento em que ela entra com o filho no pronto-socorro.

“Os médicos, as enfermeiras colocou [sic] meu filho numa salinha e disse [sic]: ‘mãe, você vai ter que ficar aqui’. Eu disse ‘não, eu preciso estar do lado do meu filho’”, contou, emocionada.

Mirtes não sabia, mais Miguel havia caído do nono andar do prédio, quatro pisos acima de onde ela trabalhava.

“A enfermeira pediu para sentar. Aquela dor no peito foi apertando, apertando mais ainda. Ela disse que meu filho não resistiu. Que meu filho não tinha resistido”, afirmou.

 

Velório

Há quatro anos, Mirtes trabalhava para Sérgio Hacker. Ele e a esposa, Sari Côrte Real, estiveram no velório no dia seguinte, no Recife, e foram hostilizados.

Mãe e avó ainda desconheciam a razão dos protestos: a imagem da câmera de segurança que mostra o que havia ocorrido no dia anterior. Miguel entra correndo no elevador do quinto andar. A patroa da mãe tenta convencê-lo a sair, mas o menino não obedece.

Impaciente, ela aperta o botão da cobertura e deixa o menino sozinho no elevador. Miguel aperta outros botões. Para primeiro no sétimo andar, mas não desce. Depois, sobe até o nono, sai do elevador e abre uma porta (veja vídeo acima).

“Depois que eu vi o vídeo, liguei para ela e disse: Sari, por que você deixou meu filho dentro do elevador? Por que você apertou o botão?”, disse Mirtes.

 

Investigação

De acordo com a perícia, Miguel escalou a parede, pulou a janela e acessou a área destinada às condensadoras de ar-condicionado. O menino subiu na grade de proteção e os peritos acreditam que, com o peso dele, uma das hastes se quebrou. Miguel, então, teria se desequilibrado e caído de uma altura de 35 metros.

“A partir do momento que ela deixa meu filho só, ela sabia o risco”, diz a mãe. “Podia ter puxado a mão dele, derrubado ele no chão. Podia ter tirado ele dali”, afirma Paulo, pai da criança.

“Eu dei seis anos da minha vida para os filhos dela. Ela não conseguiu dar dez minutos a meu neto”, disse Marta Santana, avó de Miguel.

Sari Corte Real estava responsável pelo menino Miguel, que caiu do 9º andar — Foto: Reprodução/TV Globo

Sari Corte Real estava responsável pelo menino Miguel, que caiu do 9º andar — Foto: Reprodução/TV Globo

Sari vai responder em liberdade por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. “Apenas um vídeo está sendo divulgado. Existem vários outros vídeos de várias outras situações do menino Miguel entrando e saindo do elevador. Ela acompanhou ele todas as vezes e conseguiu retirá-lo”, disse o advogado de defesa de Sari, Pedro Avelino.

Sari Côrte Real não quis conceder entrevista à TV Globo. Ela divulgou umacarta em que pede perdão a Mirtes e diz que a Justiça vai esclarecer a verdade.

 

Repercussão

Justiça por Miguel foi o tema do protesto realizado no Centro do Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Justiça por Miguel foi o tema do protesto realizado no Centro do Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

O caso ganhou repercussão nacional, com manifestações de vários artistas e criação de um abaixo-assinado virtual com mais de 2,5 milhões de assinaturas pedindo justiça.

Na sexta (5), um protesto reuniu centenas de pessoas em frente ao prédio onde vive a família dos patrões de Mirtes, com forte participação do movimento negro.

“Não estamos dizendo que a patroa só foi negligente porque o menino era negro. Quando falamos de racismo nesse caso, estamos falando de um racismo estrutural, entranhado na cultura de um país que acha normal uma turma de médicos se formar sem nenhum aluno negro”, disse a especialista Juliana Teixeira, da Universidade Federal do Espírito Santo.

Cargos na prefeitura

A mãe e a avó de Miguel revelaram que, desde o início do mandato do patrão, em 2017, as duas são contratadas pela prefeitura de Tamandaré, como confirma o Portal da Transparência.

“De carteira assinada. De começo, foi, mas depois [Sérgio Hacker] deu baixa. E como todos os outros funcionários que eles tinham, era pela prefeitura de Tamandaré. Ele pagava a gente. Nem sei como explicar isso direito, que ele disse que deu baixa na carteira e que a gente ia ficar recebendo pela prefeitura”, alegou Mirtes.

Mirtes Santana guarda pertences do filho Miguel, morto após cair de prédio de luxo no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo

“Simplesmente ela [Sari] disse que a gente iria passar a receber pela prefeitura, também seria uma coisa normal. Não vi nada nisso, entendeu? Assinamos um contrato e pronto”, afirmou Marta, mãe de Mirtes.